O Brasil, desde a edição da lei 9.307/96, adotou um sistema de arbitragem caracterizado como monista1. A referida lei estabelece o que seria uma arbitragem no âmbito doméstico, mas não tece qualquer comentário acerca da arbitragem internacional.
Com efeito, quando do advento da lei 9.307/1996, notou-se a despreocupação do legislador brasileiro em fixar uma regra própria para caracterizar a arbitragem internacional. O sistema monista, adotado pelo legislador brasileiro, levou em conta apenas o que se pode chamar de internacionalidade da sentença arbitral. Portanto, adotou-se a fórmula preconizada pelo art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 9.307/1996, segundo a qual “considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional“.
Isso implica afirmar que, quando proferida fora do território nacional, a sentença arbitral adquire caráter de sentença estrangeira. Pouco importa se as partes possuíam a mesma nacionalidade e que o procedimento arbitral tenha ocorrido em solo brasileiro. Sendo a sentença proferida e assinada em território estrangeiro, mesmo tendo o processo arbitral sido desenvolvido no Brasil, para fins legais, a sentença será sempre considerada estrangeira. A sentença arbitral, contudo, não será reputada estrangeira, se proferida em território brasileiro, ainda que por intermédio de uma instituição que não possua sede no Brasil (CCI, por exemplo), o que, aliás, já foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”)2.
Ainda que em forma de tentativa, é de grande importância detectar quando uma arbitragem é internacional e, para tanto, o direito comparado é uma eficaz ferramenta para a análise da internacionalidade da arbitragem. Isso implica afirmar que, um breve estudo comparativo de diversas legislações estrangeiras, revela-se extremamente útil de modo a demonstrar a verdadeira essência da internacionalidade da arbitragem
Com efeito, não são poucas as legislações sobre arbitragem que adotam diferentes critérios no que tange ao conceito da internacionalidade da arbitragem. Entre esses critérios, citam-se o geográfico, o econômico e o jurídico.
Segundo o geográfico, a arbitragem é internacional quando possui contatos objetivos com mais de um ordenamento jurídico. Trata-se de critério seguido, por exemplo, no direito suíço, que determina que há arbitragem internacional se o tribunal arbitral tiver a sua sede na Suíça e se pelo menos uma das partes não tiver o seu domicílio ou residência habitual na Suíça. Portanto, dispõe o art. 176 da LDIP suíça: “[a]s disposições do presente capítulo se aplicam a toda arbitragem se a sede do tribunal arbitral se encontra na Suíça e ao menos uma das partes não possuía, no momento da conclusão da convenção de arbitragem, seu domicílio ou sua residência habitual na Suíça“3.
Além do critério geográfico para definição de arbitragem internacional, existe o chamado critério econômico, também denominado de “objetivo”, adotado, por exemplo, pelo direito francês que, ao editar a sua nova legislação sobre arbitragem, fez constar no art. 1.504 do Nouveau Code de Procédure Civile a determinação segundo a qual é internacional a arbitragem quando esta coloca em jogo os interesses do comércio internacional4. No mesmo sentido, é a disposição contida no art. 49. Item 1, da Lei Portuguesa de Arbitragem: “Entende-se por arbitragem internacional a que põe em jogo interesses do comércio internacional”5.
Philippe Fouchard, grande defensor do critério econômico para a caracterização da internacionalidade da arbitragem, explica que a arbitragem é feita para o litígio, e não o litígio que é feito para a arbitragem, de modo que a internacionalidade da arbitragem deve ser definida pela substância da relação jurídica6.
Finalmente, um dos critérios utilizados para a caracterização da internacionalidade da arbitragem é o que diz respeito à internacionalidade da relação jurídica. Esse critério é fundado em pura lição de direito internacional privado: sendo internacional o contrato que contenha a convenção de arbitragem, necessariamente o procedimento arbitral será internacional.
O critério da internacionalidade da relação jurídica vem sendo adotado no direito brasileiro, o que se pôde verificar por meio de recentes julgados. Ao invés de utilizar o critério geográfico ou o econômico7, de modo a detectar a internacionalidade da arbitragem, a jurisprudência do STJ manifestou-se recentemente pela aplicação do critério da internacionalidade da relação jurídica. Determinados trechos da referida decisão merecem ser citados8:
“(…)Verifica-se que o contrato de representação comercial em exame foi celebrado na Alemanha, por uma empresa brasileira e outra alemã, e estabeleceu cláusula arbitral convencionando que eventuais conflitos deveriam ser dirimidos pelo Direito alemão, por árbitros da Câmara de Comércio Internacional de Paris. Trata-se, portanto, de contrato internacional, com características que não correspondem exatamente às dos contratos internos, firmados para produzir efeitos integralmente dentro do país. […]. Nos contratos internacionais, ganha relevo a aplicação dos princípios gerais de direito internacional em detrimento da normatização específica de cada país, o que justifica, na espécie em exame, a análise da cláusula arbitral convencionada entre as partes sob a ótica do Protocolo de Genebra de 1923”
Por que não reunir ambos os critérios para fins de construção legislativa, enfatizando o que realmente é arbitragem internacional?
Foi nesse sentido que, incorporando os critérios geográficos e econômicos, a lei espanhola de arbitragem, editada no ano de 2003 e revista em 2011, em uma clara noção e aplicação de puro direito comparado – pois investigou em outras legislações tais critérios –, adotou, em seu art. 3.º, a seguinte disposição9:
Artículo 3. Arbitraje internacional.
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El arbitraje tendrá carácter internacional cuando en él concurra alguna de las siguientes circunstancias:
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a) Que, en el momento de celebración del convenio arbitral, las partes tengan sus domicilios en Estados diferentes.
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b) Que el lugar del arbitraje, determinado en el convenio arbitral o con arreglo a éste, el lugar de cumplimiento de una parte sustancial de las obligaciones de la relación jurídica de la que dimane la controversia o el lugar con el que ésta tenga una relación más estrecha, esté situado fuera del Estado en que las partes tengan sus domicilios.
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c) Que la relación jurídica de la que dimane la controversia afecte a intereses del comercio internacional.
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A los efectos de lo dispuesto en el apartado anterior, si alguna de las partes tiene más de un domicilio, se estará al que guarde una relación más estrecha con el convenio arbitral; y si una parte no tiene ningún domicilio, se estará a su residencia habitual.