ADVOCACIA E OS SISTEMAS MULTIPORTAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
LAW PRACTICE AND MULTI-PORT DISPUTE RESOLUTION SYSTEMS
Douglas Alexander Prado(1)
RESUMO
O presente artigo apresenta reflexões acerca da atuação do advogado na atualidade, principalmente com o aumento da oferta e utilização de sistemas de solução de conflitos diferentes do considerado tradicional: Poder Judiciário. Objetiva, em especial, apontar novas formas de resolução de conflitos e de como a advocacia passou a encarar a perspectiva Multiportas em sua atuação profissional, bem como os desafios a enfrentar em face do novo e de uma quebra de paradigma do tradicional para o multidimensional. Para tal, vale-se do método dedutivo no âmbito sociojurídico, com a apresentação das seções: o ensino do direito e o acesso à justiça; gestão estratégica de conflitos; o modelo multiportas e as oportunidades para o advogado. Por fim como a advocacia está lidando com a gestão de processos e pessoas, bem como aplicando desenhos de solução de disputas com objetivo de oferecer o melhor caminho à seus clientes.
Palavras-chave: Advocacia; Acesso à Justiça; Sistemas de Solução de Controvérsias; Tribunal Multiportas.
ABSTRACT
The present article presents reflections on the role of the lawyer today, especially with the increase in the offer and use of conflict resolution systems other than the traditional one: the Judiciary. It aims, in particular, to point out new forms of conflict resolution and how the practice of law has come to face the Multiport perspective in its professional performance, as well as the challenges to be faced in the face of the new and of a paradigm shift from the traditional to the multidimensional. To this end, the deductive method is used in the socio-legal field, with the presentation of the following sections: the teaching of law and access to justice; strategic conflict management; the multiport model, and the opportunities for lawyers. Finally, how the practice of law is dealing with the management of processes and people, as well as applying dispute resolution designs in order to offer the best path to its clients.
1 Mestre em Direitos Fundamentais – Universidade da Amazônia, contato: douglasprado.cm@gmail.com
Artigo Originariamente apresentado no IV Seminários de Direitos Humanos e Sociedade (setembro de 2022)
Keywords: Lawer; Justice Access; Conflict Resolution Systems; Multiport Court.
1 – INTRODUÇÃO
Quando falamos em advogar parece simples buscar uma definição, pontuar em poucas palavras o que é e como se realiza o ofício do operador do direito, eis que nos dias atuais e em realidade, desde sempre, os profissionais são preparados de forma unidimensional para atuar no dia-a-dia, pensando e transpirando uma maneira beligerante de agir e de pensar, apoiados exclusivamente no direito material e procedimental como principais ferramentas disponíveis para atingir os objetivos e posições trazidas pelas clientes cotidianamente para os advogados.
Em contraponto a essa visão unidirecional que o operador do direito ainda tem e com uma proposta de reflexão conceitual, bem como, apoiados em um movimento cada vez mais presente, os Sistemas Adequados de Solução de Controvérsias trazem para a advocacia e na verdade para o advogado uma gama de opções de produtos e mecanismos de gestão de conflitos eficazes, flexíveis, qualitativos, economicamente variáveis e viáveis, tecnicamente distintos e adequados ao caso concreto e de possível desenho com diversas possibilidades e análises estratégicas e de risco.
Desta forma, buscar a mesma resposta para todos os impasses é contraproducente ou estrategicamente limitado, contudo, o que se percebe é continuamente acadêmicos de direito, na sua imensa maioria, saindo das universidades com seu mapa mental unidirecional estabelecido em advogar utilizando o Estado Juiz ou o Poder Judiciário como fonte primaz de satisfazer os anseios de seus clientes e seus próprios.
Não diferente os operadores do direito mais experientes têm muita resistência ao novo, na verdade, ao diferente, desqualificando, por vezes, os Sistemas de Solução dos Conflitos, tais como: Mediação, Conciliação, Arbitragem, Negociação, Dispute Boards etc. Por simplesmente não conhecer, entender, utilizar, experimentar ou mesmo se permitir ouvir as qualidades e peculiaridades de cada um e o que isso poderá trazer de oportunidades e benefícios a ele próprio e a seus clientes.
Continuar a fazer o mesmo e obter respostas distintas ou adequadas, bem como, satisfação dos seus clientes parecem incompatíveis, contudo, a melhor compreensão econômica e financeira, aliadas à efetividade nos resultados com a construção estratégica nas escolhas das ferramentas de gestão de conflitos é um desafio a ser enfrentado não só por jovens advogados, mas por todos os operadores do direito.
2 – ENSINO DO DIREITO E O ACESSO À JUSTIÇA
Na atual sistemática do ensino superior em especial às Ciências Jurídicas são cinco anos de graduação baseados em matérias de direito material e processual, sem contudo, por vezes a inclusão na grade curricular de outro tipo de visão que não seja a tradicional a busca da solução através de uma decisão adjudicada, ou seja, através do Poder Judiciário e por consequência de uma sentença, um acórdão etc.
Nessa trilha temos que a formação na graduação de direito se baseia essencialmente em conteúdo material e processual levando o estudante a entronizar o pensamento e comportamento beligerante, com pensamento arraigado em contenda, em litígio, em briga, em defesa irrestrita das posições dos clientes e não compreendendo por vezes, os reais interesses destes tudo respeitando, por óbvio, as questões legais e éticas do Estatuto dos Advogado, as normas procedimentais dos tribunais etc.
Seguir nesta linha de atuação não constitui problema ou erro, ao revés, é uma abordagem clássica e sistemática, o profissional do direito é capacitado à atuar com competência, de forma livre e com esteio e conhecimento dos preceitos legais. Entretanto, como já mencionado, só essa visão não mais supre as necessidades de um profissional contemporâneo, uma perspectiva holística ou sistêmica se faz cada vez mais necessária para um advogado.
No Brasil, por exemplo, criou–se através dos anos a concepção de que uma sentença judicial era a única e melhor forma de resolver qualquer tipo de conflito, ideia esta reforçada pelo movimento de acesso à justiça oriunda do final da década de 1970 e início da de 1980 e cumulado com a promulgação da Constituição da Federal do Brasil em 1988, que “popularizou” o acesso ao Judiciário. Neste ínterim, e, quando se fala de um profissional advogado nos dias de hoje não há como deixarmos de mencionar e contextualizar os movimentos de acesso a justiça oriundos do final da década de 1970 até o período atual.
Segundo a lição de Mauro Cappelletti e Bryant Garth(2) em sua obra Acesso a Justiça, passamos em suma por três movimentos: a) mero acesso à justiça que tinha como objetivo dar as pessoas a oportunidade de reivindicar seus direitos e resolver seus litígios com os auspícios do Estado; b) acesso ao Poder Judiciário com resposta tempestiva; e c) acesso a uma solução efetiva para o conflito por meio de participação adequada do Estado.
Desta forma e durante todo esse tempo a atuação advocatícia se moldou ao modelo proposto elegendo como fonte principal e para muitos, única, o meio adjudicado de solução de disputas.
O mecanismo predominantemente utilizado pelo nosso Judiciário é o da solução adjudicada dos conflitos, que se dá por meio de sentença do juiz. E a predominância desse critério vem gerado a chamada “cultura da sentença”, que traz como consequência o aumento cada vez maior da quantidade de recursos, o que explica o congestionamento não somente das instâncias ordinárias, como também dos Tribunais Superiores e até mesmo da Suprema Corte. Mais do que isso, vem aumentando também a quantidade de execuções judiciais, que sabidamente é morosa e ineficaz, e constitui o calcanhar de Aquiles da justiça. (WATANABE, 2011, p.4).
Todavia em um período curto percebeu–se que a simples ampliação e facilitação de acesso ao Judiciário esbarravam em fatores estruturais, de gestão, de recursos humanos, dentre outros. O crescimento exorbitante no número de demandas pegou, literalmente, o Judiciário desprevenido, causando morosidade na resposta efetiva ao jurisdicionado, fato que caracterizou o segundo movimento de acesso à justiça, dar uma resposta tempestiva àquela que bate às portas do Poder Judiciário.
Desta forma, a falta de estrutura, de pessoal, de uma correta gestão das demandas e de uma gama maior de possibilidades ao jurisdicionado que procura uma solução para seu problema, causou irremediável congestionamento no judiciário nacional, provocando como efeito reflexo a morosidade na resposta tão almejada.
Não se pode deixar de mencionar que a própria processualística pátria contribui em muito para que tal estado tenha se instaurado, a infinidade de recursos, o protelatório, a ligação entre quantidade de atos processuais e percebimento de honorários, faz com que os operadores do direito, em especial os advogados, tenham sua parcela de responsabilidade, seja pela demonstração de técnica apurada em defesa dos interesses de seus clientes, seja pela necessidade de rendimentos laborais para sua subsistência, seja pelo desconhecimento, descrença, desconfiança de outras vias mais céleres, adequadas e qualificadas de resolução de conflitos.
Assim, de uma maneira ou de outra começou a ficar árduo o labor dos operadores do direito, que por vezes aguardam décadas por uma solução judicial, prejudicando de uma forma ampla, todos, o judiciário, os advogados, a sociedade, e principalmente as pessoas de forma individual que incutem um sentimento de desprestígio e descrença na busca de uma solução.
Há muitos anos vivemos uma “crise” no Poder Judiciário, podendo ser elencadas como causas, a morosidade, a falta de investimento em estrutura, em pessoal, na capacitação de magistrados e servidores, a superexposição de magistrados na mídia, dentre outros, que acabam levando o cidadão a olhar o Poder Judiciário com desconfiança. Por outro lado, grande parte da crise se deve à excessiva judicialização dos conflitos, muitas vezes, pelas dificuldades da própria Administração Pública na gestão dos conflitos intra e extragovernamentais, encontrando–se o Estado entre os maiores demandantes e demandados. (LAGRASTA, 2021, P.16)
Uma situação limítrofe se propôs e possibilidades foram pensadas e analisadas, modelos internacionais foram averiguados, legislações pátrias antigas foram invocadas e utilizadas no intuito de afirmar que tais soluções sempre estiveram nas entrelinhas das legislações há tempos e atitudes foram tomadas, decisões proferidas, órgãos criados, resoluções editadas, possibilidades foram oferecidas.
No terceiro movimento de acesso à justiça, quando falamos de justiça, não estamos nos referindo mais somente ao Poder Judiciário, mas em sentido lato, a uma resposta efetiva e qualitativa as pessoas que necessitam de intervenção na resoluçãode suas disputas, os meios alternativos e, posteriormente repaginados de métodos adequados de solução de conflitos, são introduzidos na sistemática judiciária nacional, criando–se a ideia de Tribunal Multiportas.
Através de atuação firme do Conselho Nacional de Justiça, no final de 2010 editou–se a Resolução 125, que trata do tratamento adequado aos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, em especial a Conciliação e a Mediação. Ao revés de que muitos pensam, nada de novo foi trazido quando falamos desses métodos, porquanto, pertencentes a nossa realidade desde as Ordenações Filipinas (Promulgada no ano de 1603), por exemplo, contudo adormecidos, maus empregados, desconhecidos ou mesmo ignorados.
O Conselho Nacional de Justiça, determinou a criação de Núcleos específicos em todos os Tribunais, sejam estaduais ou federais, e a estes a responsabilidade da Criação de Centros Judiciários, não só de solução de conflitos, mas também de Cidadania. O objetivo foi implantar de forma definitiva uma Política Pública Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses no âmbito do Poder Judiciário, visando oferecer as pessoas oportunidades de escolhas, é dar qualidade na resolução das questões, evitando que conflitos que se adequem melhor, por suas características, a outro método que não a decisão por sentença, possam ser abordadas por especialistas em métodos adequados de resolução de conflitos.
Desse modo a ideia original era que, conflitos que pudessem ser tratados pela mediação e conciliação, não chegassem desnecessariamente a esfera processual, além de possibilitar que a intervenção do judiciário seja realizada onde realmente ela é necessária, somado a elementos de capacitação técnica dos conciliadores e mediadores, bem como, boas condições de trabalho para esses facilitadores e, enfim, romper um paradigma a muito ultrapassado e que não mais atende as necessidades da nossa sociedade.
A incorporação dos meios alternativos de resolução de conflitos, em especial dos consensuais, ao instrumental à disposição do Judiciário para o desempenho de sua função de dar tratamento adequado aos conflitos que ocorrem na sociedade, não somete reduziria a quantidade de sentenças, de recursos e de execuções, como também, o que é de fundamental importância para a transformação social com mudança de mentalidade, propiciaria uma solução mais adequada aos conflitos com a consideração das peculiaridades e especificidades dos conflitos e das particularidades das pessoas neles envolvidas. O princípio de acesso à justiça, inscrito no n. XXXV do art. 5º, da Constituição Federal, não assegura apenas acesso formal aos órgãos judiciários, e sim um acesso qualificado que propicie aos indivíduos o acesso à ordem jurídica justa, no sentido de que cabe a todos que tenham qualquer problema jurídico, não necessariamente um conflito de interesses, uma atenção por parte do Poder Público, em especial do Poder Judiciário. (WATANABE, 2011, p.4).
Não obstante isso, no ano de 2015 o movimento em prol da utilização de sistemas ampliados de resolução de controvérsias ganhou aliados e força com a entrada em vigor das Leis 13.140/2015 (Lei de Mediação) e 13.105/2015 (Código de Processo Civil), legitimando e positivando sobremaneira a utilização da mediação de conflitos e da conciliação, bem como a Lei 13.129/2015 (que alterou a lei 9.307/1996 – Lei de Arbitragem), ampliou o rol de possibilidades de utilização deste sistema jurisdicional próprio.
Bem menciona Renata Moritz Serpa Coelho:
A mediação se insere, em conjunto com a negociação, a conciliação e a arbitragem, naquilo que a doutrina denomina Alternative Dispute Resolution – ADR ou Métodos Alternativos de Solução de Conflitos – MASC, isto é, um conjunto de técnicas que podem ser aplicadas com a finalidade de resolver conflitos, de forma pacífica e sem levá–los ao Judiciário, permitindo que os participantes possam contribuir para a busca da solução. (COELHO, 2018, p.62).
Assim sendo, o que se percebe é que estes movimentos são irreversíveis, uma nova visão e ampliada deve ser adotada por todos os operadores do direito, a resposta célere, qualitativa, participativa e satisfativa deve chegar a todas as pessoas, os acessos devem ser facilitados, as funções dos órgãos estatais devem ser múltiplas, os profissionais envolvidos devem ser capacitados e conhecer as possibilidades, devem ser agentes de realidade, devem ter noção de sua importância e participação, devem empreender esforços no modelo escolhido, devem ter uma visão multidisciplinar e multidimensional, enfim, devem inserir–se nessa mudança de paradigma.
3 – GESTÃO ESTRATÉGICA DE CONFLITOS
Quando se aborda o conflito ou as questões que geram uma disputa geralmente a abordagem ocorre pelas posições contrárias apresentadas pelos envolvidos, ou seja, pela causa rasa, o que é aparente no conflito – eu quero isso e você quer aquilo.
Em verdade, pensando de forma mais construtiva e colaborativa, em um viés ganha–ganha, e menos na perspectiva ganha–perde, transformando posições divergentes em possíveis soluções conjuntas e convergentes, se obtém uma visão dos interesses envolvidos na disputa, ou seja, um olhar mais profundo, qualitativo, subjacente a mera posição superficial que ensejou aquele conflito.
Pode–se dizer que o equilíbrio entre as divergências traz a sensação aos envolvidos de justiça, e a colaboração na construção de um resultado protagonizado por todos, envolvem questões psíquicas de satisfação e de cumprimento do eventual acordo.
Nesta premissa podemos dizer que um conflito apresenta três elementos básicos em sua raiz, quais sejam: interesses, direitos e poder.
Num conflito, estão em jogo determinados interesses. Além disso, existem certas normas ou direitos relevantes que definem o que se entende por um resultado justo. E há ainda um certo equilíbrio de poderes entre as partes. Interesses, direitos e poder são portando os três elementos básicos de um conflito. Na resolução do conflito, as partes podem privilegiar um ou vários destes elementos. Podem tentar (1) conciliar os seus interesses, (2) determinar quem tem razão e/ou (3) determinar quem é o mais poderoso. (URY, 2009, p.37)
(3)
O advogado moderno, com um portfólio de produtos e serviços a oferecer aos seus clientes é um Gestor de Conflitos por excelência e com lucidez deve abordar as questões trazidas objetivamente levando em conta os elementos intrínsecos do conflito sem preconcepções de certo ou errado, pois todas as abordagens são corretas, e ao mesmo tempo podem ser equivocadas, eis que deverão ser enquadradas nas possibilidades de adequação de cada método ou sistema de solução a disposição.
Ademais, cabe ao gestor, na ausência de capacitação e conhecimento sobre formas ampliadas e multidimensionais de solução de controvérsias, procurar auxílio e parceria com experts nas áreas, oferecer o melhor e a transparência de informações aos clientes deve pautar a forma ética, profissional e moderna de agir do gestor jurídico, oferecendo as opções construtivas e participativas aos seus clientes, se assim couber nas características do conflito em tela.
(…) o importante é que o gestor do conflito tenha uma visão ampla e sistêmica do problema, para poder escolher o melhor caminho. Caso contrário, ele poderá perder muito tempo e dinheiro tratando o sintoma, em vez de tratar a causa do problema. (BURBRIDGE, 2012, p.34)
A abordagem dos conflitos na atualidade deve contemplar uma visão multidimensional, seja dos elementos conflituosos, seja dos sistemas disponíveis para o gerenciamento daquela questão, seja pelo binômio tempo/custos, seja pela inclusão do cliente nos procedimentos e sua efetiva participação nos processos decisórios, seja pela regionalidade onde a situação ocorre e as tecnologias disponíveis para gestão, seja pela inclusão de parceiros especialistas em determinado sistema de gestão de conflitos, seja pela diferenciação dos serviços oferecidos, seja pela satisfação e sensação de justiça dos clientes.
4 – O MODELO MULTIPORTAS E AS OPORTUNIDADES PARA O ADVOGADO
Fazer uma gestão estratégica de conflitos depende, por via de consequência, dos sistemas de gestão de conflitos disponíveis em determinado local, eis que em cada país, região, estado, cidade, existem maiores ou menores facilidades em encontrar instituições, pessoas e tribunais com oferta desses Sistemas Multiportas de Solução de Conflitos, sejam eles presenciais ou digitais.
Assim quando mencionados o termo Multiportas, este nos leva a pensar em diversidade, quantidade, oportunidades, variedade, enfim, não é um termo estanque, ao contrário, abre e amplia nossa visão.
O termo Multiportas quando tratado no âmbito de resoluções de conflitos está ligado aos conceitos e linhas de pensamento do professor americano Frank Sander(4) idealizador do Tribunal Multiportas, que em apertada síntese menciona que as demandas conflituosas submetidas a um determinado tribunal devem ser geridas e encaminhadas ao método mais adequado às particularidades daquela situação.
(…) O Tribunal Multiportas é uma instituição inovadora que direciona os processos que chegam a um tribunal para os mais adequados métodos de resolução de conflitos, economizando tempo e dinheiro, tanto para os tribunais quanto para os participantes ou litigantes.(CRESPO, 2012, p.35)
Trazendo os conceitos de diversidade em gestão de processos ou demandas conflituosas do Tribunal Multiportas para a prática da advocacia observamos de pronto uma ampliação de oportunidades estratégicas e possíveis desenhos de sistemas de soluções de conflitos, para os operadores do direito, em especial aos advogados que, saem da solução unidirecional para a multidirecional.
Obviamente que, para ofertar serviços e produtos distintos do habitual, se faz necessário conhecer, confiar, acreditar, ter certeza da viabilidade procedimental e econômico–financeira. Desta forma o advogado moderno tem a necessidade de aprender sobre Sistemas de Resolução de Conflitos de forma ampla e sem preconceitos, identificando de forma técnica os pontos fortes e fracos de cada sistemas a fim de poder pontuar e oferecer com critérios objetivos a seu cliente as diversas e eficazes formas de gerenciamento de conflitos.
Muitas vezes se observa tanto no ensino desses Sistemas, como na explanação sobre suas particularidades, a tendência de evidenciar apenas aspectos meramente conceituais ou procedimentais, contudo, não é esta apenas a análise que se deve levar em consideração. Por isso o advogado – Gestor de Conflitos, deve ter conhecimento estratégico e se aprofundar sobre desenho de sistemas de resolução de conflitos para poder oferecer métodos conscientes e consistentes a seus clientes.
Os objetivos dos sistemas de resolução de disputas, contudo, podem ir além de dirimir, gerir ou prevenir conflitos. No âmbito financeiro, podem buscar minimizar o tempo despendido por seus funcionários ou neutros, reduzir custos, diminuir o número ou o tipo de conflitos. No campo relacional, podem tencionar à transformação de relacionamentos (entre variadas partes, inclusive as internas do sistema). (ARBIX, 2017, p.49)
Nesse sentido parece que a incorporação de diversos sistemas ou métodos de gestão de conflitos no portfólio de serviços que o advogado pode oferecer aos seus clientes, tais como a negociação assistida, mediação, conciliação, arbitragem dentre outros amplia sobremaneira não só as oportunidades de ganhos, perspectivas, estratégias, cooperação, viabilidade econômico–financeira, gestão eficiente do procedimento e flexibilidade para seus clientes como a melhor gestão das inter–relações e sentimentos envolvidos no conflito.
Contudo e, apesar de parecer evidente as qualidades e oportunidades de ter diversos sistemas a disposição para gerir os conflitos, a efetiva utilização deles, em especial os autocompositivos (negociação, mediação e conciliação), ainda são extremamente tímidos se comparados ao sistema judicial ou como chamamos: Tradicional.
Nesse sentido o Relatório Justiça em números do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, anualmente demonstra sistematicamente, em especial, desde o ano de 2015, índices tímidos e decrescentes nos números de sentenças homologatórias de acordo através de conciliação e mediação e o sutil decréscimo, aliado essencialmente a alta produtividade dos magistrados dos números de processos nos tribunais brasileiros. Vejamos o recorte dos Tribunais Estaduais como exemplo no Relatório Justiça em números 2021:
Diversas razões ou motivos podem ser apontados pela não adesão do advogado a utilização dos Sistemas de Resolução de Conflitos distintos do Poder Judiciário: descrença, menor controle sobre as decisões do cliente, desconhecimento, cultura positivista belicosa, perda relativa de protagonismo, dentre tantos outros que em verdade são percepções equivocadas de um mapa mental que foi construído através dos tempos carregado de preconcepções e normalização da rotina.
O advogado moderno deve ter entre suas estratégias sistêmicas as decisões judiciais e o Poder Judiciário, pois para cada caso existem as opções mais adequadas, o que se espera é que amplie a visão para demais recursos de gestão de conflitos assim potencializando seu espectro de atuação com claro objetivo conjunto de satisfação advogado–cliente.
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Faz parte da natureza humana a constante evolução, seja em que contexto for, inclusive nas relações profissionais. Não parece sensato fazer sempre a mesma coisa com o objetivo de colher resultados diferentes. Em tempos das tecnologias, por exemplo, mais acentuadamente após o início da Revolução 4.05, conhecemos elementos novos a cada minuto, estamos conectados o tempo todo, enfim, sofremos alterações em nosso modo de vida em um piscar de olhos.
Assim acreditar que um único sistema de resolução de conflitos pode abranger de forma qualitativa todos os tipos de conflitos e todas as pessoas envolvidas, em seus sentimentos, interesses e necessidades é no mínimo uma enorme pretensão míope.
Ademais, quando analisamos o mercado de trabalho do advogado que, a cada dia tem mais concorrência, a morosidade nas decisões dos tribunais de justiça cresce vertiginosamente, as respostas do Poder Público nem sempre são satisfatórias, a processualística recursal é extensa, a insatisfação do cliente cresce a cada segundo com a resposta que não chega, tudo isso leva a crer que conhecer outras possibilidades se torna fundamental para os profissionais de hoje, de ontem e de amanhã.
Contudo a percepção de tranquilidade conceitual quanto a aplicabilidade na gestão de conflitos de outros sistemas é subjetiva e relativa e a evolução em determinados contextos e sociedades é mais fácil para uns e mais difícil para outros.
Nesse sentido toda mudança necessita de uma maturação temporal e adaptação humana para o rompimento de paradigmas tradicionais, por exemplo: a
forma de como resolvemos nossos conflitos.
Em países orientados pelo Civil Law a tradicional utilização como forma de resolver conflitos do poder estatal foi e ainda é a “Porta” mais utilizada, delegando ao estado juiz a decisão do certo e errado.
A inclusão mais acentuada da ideia dos Tribunais Multiportas, ou seja, quando temos várias opões à escolher e adequar nossos conflitos ao sistema de resolução, permeou diversas sociedades em diferentes momentos e a adaptação a elas romperam paradigmas, na medida em que fomenta o protagonismo dos envolvidos na solução dos impasses, bem como dá ao advogado diversas opções à oferecer a seu cliente e ao mesmo tempo lhe confere qualidades estratégicas de desenhar a melhor abordagem para o caso em concreto.
A ampliação de opções dentro e fora do Poder Judiciário tornou–se uma constante mudança de paradigma social, porquanto se tem ainda fortemente a percepção em pensar que somente existe uma forma de solucionar conflitos e essa está atrelada ao Estado, mas isso não é verdade e ao revés, confere ao cidadão e a seu gestor de conflitos, o advogado, possibilidades de resolver seus conflitos de forma privada e confidencial em empresas ou câmaras especializadas neste serviço. Tais possibilidades confere a todos formas de agir e pensar mais autônoma na escolha de um sistema para resolver nossos conflitos enaltecendo a utilidade, qualidade, pertinência, excelência, adequação e estratégias.
Desta forma parece claro que não há mais espaço para o modelo de justiça pensado apenas na decisão judicial, os conflitos humanos evoluíram, as sociedades evoluíram, as relações interpessoais evoluíram, a tecnologia evoluiu, a forma como nos comunicamos mudou e, os sistemas adequados de resolução de conflitos merecem completa e plena acolhida pelos advogados, mesmo porque visam e existem para beneficiar concomitantemente advogados e clientes que se utilizam destes métodos.
Uma abordagem técnica e adequada para cada situação conflituosa merece desenho próprio pelo gestor do conflito que é procurado por seu cliente justamente para isso. Todos os sistemas têm sua real e importante função e, se adequarão para tanto. Os sistemas de solução de conflitos sejam presenciais, online ou híbridos devem agir de forma sinérgica com fito de ampliar o acesso à ordem jurídica justa de forma mais célere, economicamente viável, estratégica, preocupada com as relações interpessoais atuais e futuras, visão de interesses e necessidades e custo–benefício criterioso.
Toda mudança de abordagem, comportamento, conduta, exigência, gera alterações de cunho psíquico, fisiológico e comportamental, nada é tão simples assim, mas para sairmos de uma zona de conforto, muitas vezes ineficientes para nossa realização e subsistência, além de reconhecimento profissional, necessitamos esforço e comprometimento. O advogado moderno pode ir ao encontro dessas qualidades não só para suas realizações pessoais, mas para realizar as expectativas de seus clientes em um claro pensamento colaborativo eficiente.
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1 – Mestre em Direitos Fundamentais – Universidade da Amazônia, contato: douglasprado.cm@gmail.com
Artigo Originariamente apresentado no IV Seminários de Direitos Humanos e Sociedade (setembro de 2022)
2 – CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso a Justiça. Porto Alegre:Ed. Sergio Antonio Febris, 1998.
3 – URY, W. Resolução de Conflitos. Portugal: Conjuntura Actual Editora, 2009.p.53
4 – https://en.wikipedia.org/wiki/Frank_Sander
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